segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Eu vou tirar você desse lugar..."

Cadê você, Odair? Tire-me dessa prostituição acadêmica!
Tô triste... e quero a minha mãe.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dona Geralda

Lá vinha Dona Geralda nos fins de tarde quente à porta de casa. Carapinha branca, oclinhos grossos e o sorriso bonachão. Pisa o chão com um cuidado gentil, de avó doce. Vem falando de Deus e da Mãe-morena - que eu não sabia que era a Aparecida. Convidou-me para entrar.
Mostrou-me o quarto com as inúmeras fotografias dos entes queridos: marido, filha, pai, sobrinho, neto, sobrinho-neto, santa, santo etc.
Foi buscar a água-benta, benzida, a propósito, pelo padre Zezé, famoso aqui, na Vila Rica - e que eu também não sabia.Sorri. A santa água era para a minha fajuta conjutivite, que era, em verdade, irritação qualquer, mas que um amigo bobo me assustou enfatisando a vermelhidão. Ela resolveu misturar a água do padre Zezé com a do outro padre que não me lembro o nome. Disse que ia ficar uma mistura forte.
Dona Geralda é feliz. Ama o amor e me disse que também a mim. Que sensação leve e bonita é a de receber um "ah, eu amo você. Você é um menino bom!" com toda a alegria espontânea do sangue, por mais que não seja lá muito bom ou coisa assim. E depois o abraço. Um abraço materno. Aliás, mais que materno: de avó, bem docinho.
Infelizmente rejeitei o café - a contragosto, sim. Disse-lhe que esperava a entrega de uns medicamentos, que já havia pedido. Ela fez uma carinha de frustração, mas daquelas de quem entende a situação, mesmo sem o querer.
Acompanhou-me até a sua porta. Aos setenta e sete anos, as pernas teimam em querer fazer força, enganam o costume das décadas de se pisar forte o chão e tudo o que tiver de ser pisado. A porta verde se abriu num clarão de tarde. Desci a ladeira, mas antes um "Deus lhe acompanhe" e uma promessa de bênção com arruda para o domingo.
Dona Geralda acompanhou com o olhar o rapaz de um olho fechado.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Desabafo vegetal

Um dia fiquei puto e fui me esconder dentro do tronco de uma árvore. Vi passarinho construir ninho e namorados riscarem seus nomes dentro de um coração. Houve quem desse uma mijada e acertasse meu pé. "Mas que merda!", gritei.
Fiquei lá durante meses. Tornei-me amigo dos cupins e inimigo de quem podava a pobre da árvore.
Aconteceu que um dia uma nêga teve a mesma ideia minha - que já não era bem minha, mas nossa, minha e dela. Foi bacana. Relacionamo-nos muito bem. Tivemos uma semente que nasceu frondosa, num canto perto dali. Nessa altura eu já estava bem ramificado e ela vinha trepada a mim. Pense! Sugando toda a minha energia.
Um dia, veio um sacana e me cortou dali. Hoje sou estofado e fico sufocado por uma bunda gorda cheia de gases.
Saudade de mata.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Martelando aquela coisa impossível

Aconteceu em um esbarrar de olhares pelo corredor do Departamento. De olhares mesmo - as pessoas evitam choques físicos, por mais sadios que eles venham a ser, claro.
Bom, olhá-la é inevitável - todos o fizeram, suponho. Não por ela ser bonita, nem pelo contrário. Uma ruiva verdadeira é sempre atingida por qualquer olhar, da malícia à admiração - inda mais nessa terra de misturas, onde a homogeneidade é exótica. Enfim, sempre a olho, não nego, por mais incômodo e exagerado que seja. Inevitável. Qual um magnetismo visual; chega a cansar. Eu cansei.
Noutra noite, fugindo de gente e de seus barulhos, sentei-me no outro bloco do Departamento. Pus-me a ler Kundera, empréstimo de uma grande amiga. Havia lido um livro de contos dele, "Risíveis amores". Ri (com ou sem trocadilho ridículo, tanto faz...). Foi então que avistei a garota ruiva. Ela bem sabe de minhas intenções(?). Um olhar insistentemente resoluto, ainda que sutil, creio, é bastante claro. Como não crer?
Ela se demorou, por um instante, ao me ver naquele lado do prédio. Éramos, apenas, eu e ela. Não sei se fixava os olhos, curiosos, na capa do livro que eu tinha em mãos, ou se, num susto, deparou-se estática ao ver aquele figurão inconveniente.
Seguiu ao banheiro. Voltei-me os olhos sobre o livro. Amanhã, evitarei demoras pelo corredor.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Hoje

Falta-me o vazio.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Preto


É à noite que as rédeas são soltas. Concebe-se, então, todo o controle ao cavalo. E meu destino é entregue a esse quadrúpede.

Na verdade, nem em toda noite é assim: só em noite sem lua. Em noite que não é possível ver-me os pedaços que me compõem, nem minha montada e nem todo o resto, a exceção dos pontos do céu. E como são tantos! Lembro-me que já ousei contá-los: é um, é dois, foi vinte, quarenta e três e... Ave-Maria! pra que lado eu conto e vou?

Estrela não tem força de lua. Estrela é miudinha, não tem força pr'acender noite. Nem mesmo essa ruma de estrela junta há de alumiar essa minha estrada, imagine esse mundo de Deus!

É preto, esó preto! Mais parece que fechei os olhos e me pus a dormir sem sonhar. Como é que pode, né? Dormir e sonhar e dormir e não sonhar!? Melhor é nem pensar nessas imundices, pra mode não ficar abilolado e deitar adoentado.

Posso me perder em pensamento agora não, senão cavalo pensa que não estou aqui e segue a qualquer vereda perdida de não se achar. Mas esse bichão daqui sabe de casa; sabe o caminho de cor e gosta mesmo é de lá de casa. Confiança.

Medo... é complicado. Essa história de cidadão-lido falar de só ter medo daquilo que se vê é meio difícil de se proceder. Ah! Ora! Você vendo, já sabe de ond'é que vem o bote da jararaca. A peste é eu, que não vejo gôta nenhuma, me deparar com coisa alumiada, de repente, agora. É nessa hora que luz faz medo também. Se tudo que é breu fica breu, é bom. Ruim é luz que aparece do nada. De dia é o contrário: o apagar que é terrível.

Agora, coisa que é engraçada é que cavalo meu é preto, e já que tudo é preto: eu estou montado é em nada. Mas se parar pra se pensar mais: eu fiquei preto e estou montado em preto e no meio do preto... que há de ser isso? Eu que não quero mais é pensar....

segunda-feira, 1 de junho de 2009

31/05/2009

que falta sinto de braços que disfrutem de confusões e desassossêgos como os meus. E de toda aquela salsa infinda, caótica, de desejos e ansias. ou, quiçá, do barulho do mar, com os carros às costas, e um corpo a se apoiar.
O navio segue.

sábado, 23 de maio de 2009

eu e as imbecilidades, minhas

Bem quando penso em dormir, repondero o que ouvi hoje: que merda de café o paulo fez ontem de noite; estudei e explodi a cabeça e ainda fui escrever porcarias...
No outro dia a vergonha.
Ninuém entenderá.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Branco

No dia em que as nuvens caem do céu, é dia que os anjos se horrorizam. Nessas terras altas esse tipo de dia é bem comum.
Certeza, é que algo de abominável sempre ocorre. É cão que aparece. É morte horrível que se anuncia. É dia que bicho morre vazio de sangue. E outras horripilâncias.
Hoje não houve morte - ou, pelo menos, não ainda.
Ainda não é sabido o fato que se procedera. Ainda não se espalhara. O que digo, a princípio, é o lugar do ocorrido: um quintal. Em meio a frondosas árvores de frutos bem vermelhos. Pássaros que piam. Bem-te-vis! Dois corpos entrelaçados e o mesmo sangue. Pronto, foi dito. A bruma branca foi quem escondeu. Ninguém viu. Lascividade. Suór. Desejo. Consumação... AH! a carne! Como bom é tocá-la quando se quer. Invadi-la! Avante! Sedento... O pecado se perdeu na serração; não viu, não possui provas e nem testemunha. Ninguém viu! Ninguém há de provar!
Como não querer passar as mãos naquelas curvas nuas? Aquelas curvas proibidas, impossíveis, até então... Bem-te-vi! Bem-te-vi! E mais o barulho de toda a natureza naquele éden: os pássaros, os ramos, os gralhos e alguns zumbidos.
Sentir... Corpo com corpo. O fervor das intensas palpitações. De repente, os olhares se descobrem. Os olhos esbugalham-se num castanho claro, quase amarelo, feito mel. Mas logo se fecham naquele gozo. Naquela satisfação absurda. Naquele deleite infindo.
O aperto do abraço, qual uma fusão, coração com coração.Siameses.
O céu reclama querer voltar aos altos. A advertência foi dada e acatada. Derretem-se e se espalham nus. Um corre. E sobre as ervas, aquela que talvez tenha servido como molde para uma famosa escultura de Milos, permaneceu estirada, espreguiçando-se, olhando o branco afastar-se, descobrindo seu desenho íntimo, contemplando-se, e um passarinho de peito amarelo empoleirado na macieira. Bem-te-vi.

domingo, 29 de março de 2009

Amarelo


Agora me alembro daquela boião brabo no meio da baixada. Num campo florido - daquelas flores miúdas de um amarelo vivo, feito o sol!
Era um boi chifrudo, bem grande, e preto. Tão preto que mal dava pra saber se o bicho tinha olho ou não. Tiziu. Foi o nome que dei.
Meu cavalo marchava calmo rumo a Tiziu, que fingia pastar, mas que tava era cheirando flor, que eu vi! Tava era encantado, que eu sei.
Foi quando uma pessoa apareceu de dentro da mata e foi andando até o Tiziu. Ave Maria. Fiquei sem saber que mode fazer. Era uma galega dos cabelos cachados de louro, da cor da florzinha que eu disse.
Descalça e com um vestido branco, chegou até o bovino. Acariciou a testa do bicho e o guiou até a mata, de onde surgiu, sumindo entre os troncos e as folhas, pr'onde nunca mais eu vi.
Desci do cavalo e arranquei trÊs florzinhas, as mais amarelas, que vi pra ter prova dessa história.

A índia

a índia correu junto a mim atrás do carcará.
a índia que abriu o botão da calça jeans.
a índias, de pernas para o ar, dormiu no colchão e não
viu o filme.
ah, índia! se me chamasses para me deitar na rede num chamego contigo...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

e num dia, afogando-me no orkut...

-Alô, George, o Ringo Starr?
-Não, Ringo foi Paul McCartney no correio.
-Para quem?
-Para John!
-John? Mas John não sabe Lennon!

domingo, 25 de janeiro de 2009

Sou o único a ter vontade de não dormir, mesmo morto de sono? Deve ser saudade da velha insônia, que me acompanhou durante as longas noites quentes desse mês. Como sinto falta dessa companhia, das noites em claro, dos pensamentos distantes e do vazio desolador...

sábado, 24 de janeiro de 2009

"o ovo e a galinha"

"[...] É necessário que a galinha não saiba que tem um ovo. Senão ela se salvaria como galinha, o que também não é garantido, mas perderia o ovo. Então ela não sabe. Para que o ovo use a galinha é que a galinha existe. Ela era só para se cumprir, mas gostou. O desarvoramento da galinha vem disso: gostar não fazia parte de nascer. Gostar de estar vivo dói. – Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada. A galinha é diretamente uma escolhida. – A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. – A galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido é o ovo. – Ela não sabe se explicar: “ sei que o erro está em mim mesma”, ela chama de erro a vida, “não sei mais o que sinto”, etc.“Etc., etc., etc.,” é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem muita vida interior. Para falar a verdade a galinha só tem mesmo é vida interior. A nossa visão de sua vida interior é o que chamamos de “galinha”. A vida interior na galinha consiste em agir como se entendesse. Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que o ovo não se quebre dentro dela. Ovo que se quebra dentro de galinha é como sangue. [...]"

Clarice Lispector

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

homem

A vontade mesmo era de apagar toda essa peleja e esse drama. De desfazer os passos meus, os trotes da montada e as palavras de valentia. Vontade é de querer pegar nos braços aquela flor que deixei no canteiro de casa. De cheirar aquele perfume que vem da parte de dentro, não sabe¿ a pois... eu digo de verdade. Amor é aquilo que a gente guarda no fundo da carne, dizem q é pra dentro do coração, mas não acho isso não. Tem é lugar escondido, no meio, debaixo desse couro, pros meios dessas carnes, todas. Isso estava tão guardado, que só fui ver agora, nessa hora de Ave Maria, na hora em que o tiro é certeiro e vai arrombando as trancas dos meus pedaços. Mas uma coisa eu digo: conheci o que muito cabra não vai saber! Com nêga se dorme por demais nessas casas, nesses cabarés das almas pobres, mas achar a mulher que faça o cabra sorrir de besta só de ver a peça ou ouvir o canto, ave Maria, isso não é fácil, não. É danado pra se conseguir do pai essa coisa. Acho que ele gostou que só de minha pessoa, pelo menos eu acho, e devo achar certo. E agora estou indo agradecer pessoalmente esse presente de minha vida, que se termina já. E vou chegar onde ele estiver sentado; vou tirar o chapéu e estender a mão e “pai! Eu estou é agradecido!” vou dizer mesmo. Depois vou sentar numa nuvem, numa daquelas que mais parece pedaço de algodão, envolteado de anjo e de arcanjo e de santo, pra me apegar mais ainda na fé que nunca abandonei, e vou esperar por ela. Só não sei se quero que ela venha logo ou não. Acho que isso é coisa pro Pai, ele quem sabe dessa sabedoria. Melhor aguardar calado e quieto na nuvem.
E eu perdôo esse cabra que me encomendou pro firmamento. Tem nada na cabeça não, esse caboclo. É um pobre que não sabe o que faz. É gente sofrida desse sertão. E dizem que um doutor que apareceu por essas bandas disse que o sertão é sem fim. E deve ser mesmo. Termina não o fidapé. Mas como um dia sempre chove, há de se apreciar esse sertãozão. Agora está ficando escuro. Acho que já é hora. Só queria sentir o cheiro do cangote da minha morena...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

alguém me perguntou se amei um dia...

uma vez fui um rapaz amoroso, tinha um amor, pelo amor chorei, pelo amor me desesperei. mas aí, o amor gracejou, escarneou-me, quase me trucidou... eu peguei um revólver e dei um tiro nele... morreu.

domingo, 11 de janeiro de 2009

do chico, fado tropical

"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto

Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas meu peito se desabotoaE se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa"