segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dona Geralda

Lá vinha Dona Geralda nos fins de tarde quente à porta de casa. Carapinha branca, oclinhos grossos e o sorriso bonachão. Pisa o chão com um cuidado gentil, de avó doce. Vem falando de Deus e da Mãe-morena - que eu não sabia que era a Aparecida. Convidou-me para entrar.
Mostrou-me o quarto com as inúmeras fotografias dos entes queridos: marido, filha, pai, sobrinho, neto, sobrinho-neto, santa, santo etc.
Foi buscar a água-benta, benzida, a propósito, pelo padre Zezé, famoso aqui, na Vila Rica - e que eu também não sabia.Sorri. A santa água era para a minha fajuta conjutivite, que era, em verdade, irritação qualquer, mas que um amigo bobo me assustou enfatisando a vermelhidão. Ela resolveu misturar a água do padre Zezé com a do outro padre que não me lembro o nome. Disse que ia ficar uma mistura forte.
Dona Geralda é feliz. Ama o amor e me disse que também a mim. Que sensação leve e bonita é a de receber um "ah, eu amo você. Você é um menino bom!" com toda a alegria espontânea do sangue, por mais que não seja lá muito bom ou coisa assim. E depois o abraço. Um abraço materno. Aliás, mais que materno: de avó, bem docinho.
Infelizmente rejeitei o café - a contragosto, sim. Disse-lhe que esperava a entrega de uns medicamentos, que já havia pedido. Ela fez uma carinha de frustração, mas daquelas de quem entende a situação, mesmo sem o querer.
Acompanhou-me até a sua porta. Aos setenta e sete anos, as pernas teimam em querer fazer força, enganam o costume das décadas de se pisar forte o chão e tudo o que tiver de ser pisado. A porta verde se abriu num clarão de tarde. Desci a ladeira, mas antes um "Deus lhe acompanhe" e uma promessa de bênção com arruda para o domingo.
Dona Geralda acompanhou com o olhar o rapaz de um olho fechado.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Desabafo vegetal

Um dia fiquei puto e fui me esconder dentro do tronco de uma árvore. Vi passarinho construir ninho e namorados riscarem seus nomes dentro de um coração. Houve quem desse uma mijada e acertasse meu pé. "Mas que merda!", gritei.
Fiquei lá durante meses. Tornei-me amigo dos cupins e inimigo de quem podava a pobre da árvore.
Aconteceu que um dia uma nêga teve a mesma ideia minha - que já não era bem minha, mas nossa, minha e dela. Foi bacana. Relacionamo-nos muito bem. Tivemos uma semente que nasceu frondosa, num canto perto dali. Nessa altura eu já estava bem ramificado e ela vinha trepada a mim. Pense! Sugando toda a minha energia.
Um dia, veio um sacana e me cortou dali. Hoje sou estofado e fico sufocado por uma bunda gorda cheia de gases.
Saudade de mata.