domingo, 25 de janeiro de 2009
sábado, 24 de janeiro de 2009
"o ovo e a galinha"
"[...] É necessário que a galinha não saiba que tem um ovo. Senão ela se salvaria como galinha, o que também não é garantido, mas perderia o ovo. Então ela não sabe. Para que o ovo use a galinha é que a galinha existe. Ela era só para se cumprir, mas gostou. O desarvoramento da galinha vem disso: gostar não fazia parte de nascer. Gostar de estar vivo dói. – Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada. A galinha é diretamente uma escolhida. – A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. – A galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido é o ovo. – Ela não sabe se explicar: “ sei que o erro está em mim mesma”, ela chama de erro a vida, “não sei mais o que sinto”, etc.“Etc., etc., etc.,” é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem muita vida interior. Para falar a verdade a galinha só tem mesmo é vida interior. A nossa visão de sua vida interior é o que chamamos de “galinha”. A vida interior na galinha consiste em agir como se entendesse. Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que o ovo não se quebre dentro dela. Ovo que se quebra dentro de galinha é como sangue. [...]"
Clarice Lispector
Clarice Lispector
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
homem
A vontade mesmo era de apagar toda essa peleja e esse drama. De desfazer os passos meus, os trotes da montada e as palavras de valentia. Vontade é de querer pegar nos braços aquela flor que deixei no canteiro de casa. De cheirar aquele perfume que vem da parte de dentro, não sabe¿ a pois... eu digo de verdade. Amor é aquilo que a gente guarda no fundo da carne, dizem q é pra dentro do coração, mas não acho isso não. Tem é lugar escondido, no meio, debaixo desse couro, pros meios dessas carnes, todas. Isso estava tão guardado, que só fui ver agora, nessa hora de Ave Maria, na hora em que o tiro é certeiro e vai arrombando as trancas dos meus pedaços. Mas uma coisa eu digo: conheci o que muito cabra não vai saber! Com nêga se dorme por demais nessas casas, nesses cabarés das almas pobres, mas achar a mulher que faça o cabra sorrir de besta só de ver a peça ou ouvir o canto, ave Maria, isso não é fácil, não. É danado pra se conseguir do pai essa coisa. Acho que ele gostou que só de minha pessoa, pelo menos eu acho, e devo achar certo. E agora estou indo agradecer pessoalmente esse presente de minha vida, que se termina já. E vou chegar onde ele estiver sentado; vou tirar o chapéu e estender a mão e “pai! Eu estou é agradecido!” vou dizer mesmo. Depois vou sentar numa nuvem, numa daquelas que mais parece pedaço de algodão, envolteado de anjo e de arcanjo e de santo, pra me apegar mais ainda na fé que nunca abandonei, e vou esperar por ela. Só não sei se quero que ela venha logo ou não. Acho que isso é coisa pro Pai, ele quem sabe dessa sabedoria. Melhor aguardar calado e quieto na nuvem.
E eu perdôo esse cabra que me encomendou pro firmamento. Tem nada na cabeça não, esse caboclo. É um pobre que não sabe o que faz. É gente sofrida desse sertão. E dizem que um doutor que apareceu por essas bandas disse que o sertão é sem fim. E deve ser mesmo. Termina não o fidapé. Mas como um dia sempre chove, há de se apreciar esse sertãozão. Agora está ficando escuro. Acho que já é hora. Só queria sentir o cheiro do cangote da minha morena...
E eu perdôo esse cabra que me encomendou pro firmamento. Tem nada na cabeça não, esse caboclo. É um pobre que não sabe o que faz. É gente sofrida desse sertão. E dizem que um doutor que apareceu por essas bandas disse que o sertão é sem fim. E deve ser mesmo. Termina não o fidapé. Mas como um dia sempre chove, há de se apreciar esse sertãozão. Agora está ficando escuro. Acho que já é hora. Só queria sentir o cheiro do cangote da minha morena...
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
alguém me perguntou se amei um dia...
uma vez fui um rapaz amoroso, tinha um amor, pelo amor chorei, pelo amor me desesperei. mas aí, o amor gracejou, escarneou-me, quase me trucidou... eu peguei um revólver e dei um tiro nele... morreu.
domingo, 11 de janeiro de 2009
do chico, fado tropical
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas meu peito se desabotoaE se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa"
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas meu peito se desabotoaE se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa"
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