quarta-feira, 16 de junho de 2010

Para além

privado de tantos bienes
y perdido en tierra ajena,
parece que se encadena
el tiempo y que no pasara,
como si el sol se parara
a contemplar tanta pena

El Martin Fierro - José Hernandez
E o sol persistia a não se mover. Talvez porque ele não queria. Queria, sim, pelo visto, queimar a nuca daquele pobre diabo em cima de um também infeliz cavalo que, preto, sofria ainda mais aquela ardência. Aquele cavalo mal imagina o que está por vir, se é que esses quadrúpedes podem conjeturar futuros, ainda que bem próximos; se é que conseguem, também, pensar o fato de ter um homem montado em seu lombo com desejo tão belicoso.
A guerra está além daquela colina. Está lá o que virá a ser um agora, mas que é depois, nesse momento. E o tempo...
O sol está realmente decidido a permanecer intacto. Não se pode esperar outra coisa, talvez nem mesmo a lua e as estrelas. O sol ouve os tantos cascos a marchar por essa planície sem fim, ainda que haja esse morrinho perdido, exilado. Com certeza essa bola incandescente torrará os corpos que se estirarão no outro lado do morro, mas antes os ânimos, os medos, as vontades e tudo que vier sentir ou pensar todas aquelas cabeças de homens, fadados ao calor, qualquer que seja.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Café

O que mais me atrai em Romina? Os olhos. Na verdade, seus olhos fechados enquanto sorri aquele sorriso branquinho com os dentes bem juntinhos.
Não sei como, mas sempre a encontro naquela cafeteria que desce Corrientes. Desta vez trouxe-me aquela velha edição de "Coração das Trevas", da tão antiga - e tão imensa - biblioteca de seu avô, velho gaúcho da llanura sem fim - do mesmo tamanho do sertão de meu avô, bem mais ao norte dali, o outro sem-fim. Infindo poderia ser também o seu sorriso.
"O horror! O horror!" é sempre o que proclamo quando conversamos sobre o livro que saiu de sua bolsa. Disse-me que abriu um bom debate sobre a obra em sua classe. E sorveu mais um pouco do café em sua xícara, levantando-a com as duas mãos, daquele jetinho dela.
Empolguei-me numa análise cheia de gestos e reticências sobre as trevas apresentadas no livro... Ela levantou as sombrancelhas como que impressionada - ou como que prendendo o riso - com aquela figura loquaz à sua frente. "Você podia ter ido à aula para entrar no debate. Teria sido bacana." E eu só prestei atenção no seu sotaque. Lindo, lindo. Mas que sotaque bonito é o dessa porteña.