terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O que diria

- Professor, trago péssimas notícias!
- Não.
- O latim morreu.
- Não.
- Também padeceram Roma, os glosadores e Napoleão.
- Não.
- Feche o livro, Mestre. Vamos seguir a marcha à rua!
- Não.
- O Sol já não mais é rei. O povo é rei. Esqueça as doutrinas empoeiradas, as pelejas e todo este oceano que institui a segregação e impede a integração. Sejamos!

O douto professor já nã o ouvia. Na verdade, aquela voz jamais fora emitida e o diálogo, em tom de monólogo, nunca existiu. Foi um pensamento distante, absorto, de um aluno esgotado, que haveria de decorar posicionamentos doutrinários e outras pré-fixações, sacramentos. A prova está chegando e ele crê na inconfidência.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Considerações para o agora feitas pelo operador de blogs

Ela é da geração...qual letra mesmo? Y? Z? Meus pais devem ser da geração coca-cola - a que teve música e tudo o mais. Geração YZ! Ela, então, é da geração YZ. E como tal possui um blog onde escreve suas angústias, reflexões, momentos de alegria e coisas típicas do repertório desta sua geração.
Diante de seu notebook, em mais uma noite de insônia forjada, Ela começa a digitar mais um relato sentimental a ser compartilhado com um seleto séquito de amigos da mesma geração - será que existe algo após a letra Z? talvez seráprecisopegar emprestado algum outro alfabeto, o árabe ou o chinês.
"Saudade", começa assim tão nostálgico o dito post, "de antigamente (época boa que não voltamais), das alegrias e dos sorrisos soltos e amarelos. Queria rebobinar a minha vida". Acredito que tenha ocorrido um erro de digitação desta transcrição aqui, já que esse verbo "rebobinar" não existe mais. Pertencia a outra geração... V! V de aparelho VHS, aliás, de VHS apenas. Mas são tantas letras em VHS... Enfim chamemo-a de geração VHS.
Dizia a jovenzinha que morria de saudades de outrora. Isso é triste, mas como já dizia Belchior - membro de uma geração a qual não me arrisco procurar na sopa de letrinha - que "o novo sempre vem".
Noutro dia reclamou de um certo membro de uma geração anterior que lhe quis alguma coisa, não se sabe bem o que. Ele procurou, procurou e parece que não achou o que queria. Ou talvez apenas um contato era o que intentava: trocar experiências, alertar sobre algo ou ouvir algum disco juntos. Afinal, os velhos bolachões de vinil voltaram. Os toca-discos (ou como diriam Belchior e meu avós, as radiolas) tornaram-se instrumentos desta geração YZ.
Em verdade, há um engano. Os bolachões pertencem agora à geração X, aquela que ainda alcançou Jiraia, os Trapalhões e o Sérgio Malandto fazer programa com a Mara Maravilha -no bom sentido, claro. Estes da geração X são os verdadeiros retrôs pós-modernos.
Mas voltemos a Ela. Tão bonitinha e com dedos tão frenéticos - de fazer inveja às mais experientes datilógrafas. Começou a teclar sem parar, como que num vômito literário - apenas como, não há pretensões para tal, não se quer ou não se pode, o que é o mais provável.
Ela não para. Quem sabe mesmo perdera o controle de seus dedos, quem sabe para sempre. Ficará digitando eternamente. Jogará palavras em frases vazias e imprecisas. Falta algo para YZ. Esperemos que o tal twitter amenize o excesso de nada.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O mar

Ai, montanhas!
Montanhas que me cercam,
me prendem
e não me deixam ver
o além-mar destes morros
caudalosos
de pedras, de ferro
e de inquietudes.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A invenção de J. - I

Estava ali, sentada, erguendo a taça de vinho tantas vezes fossem possíveis, até secar as garrafas que poderia pagar. E olhava, indiferente, o vocalista que entoava suas canções, às quais se distinguia alguma pretensão fajuta de vanguarda - mania dessas bandas de agora, como bem proclama o Carlos.
Desde que a percebi não consegui deixar de fitá-la. Pele morena, um pouco mais escura que a minha - morena jambo? deve ser isso. Seu olhar absorto era o que mais me deixava instigado. Provavelmente algum sentimento de macho conquistador, de um Casanova tropical,incitava-me a querê-la, por essa noite, em algum quarto - o dela seria o mais ideal, já que a grana seguia curta.
Uma fotografia dela economizaria o tempo que teria para descrevê-la mais, apesar de que relatando aqui as minhas impressões você, meu camarada, poderia imaginá-la como uma criação minha. Confesso que ando fissurado por aquela figura morena de cabelos negros e lisos a cair sobre a face esquerda. Tem que vê-la como a vi!
A boca dela há muito já se avermelhara. Passou a demorar os lábios na taça. Com certeza já havia percebido a insistência que meus olhos mantinham em não deixar as pálpebras descerem - está bem, exagerei. Chegou mesmo a levantar a sombrancelha, como que a perguntar... por que que eu estava me demorando tanto naquela cadeira junto a uma horda de bárbaros falastrões?
Ela agora estava acompanhada de uma terceira garrafinha de vinho barato, com os lábios avermelhados, com os cabelos caídos ao rosto e a mão, mole, segurando a taça, olhando para mim.
O som acaba e a platéia começa a aplaudir aqueles pseudo-venguardistas - o que diria Itamar? A gora a minha banda vai subir ao palco. Lá em cima, percorro o olhar até a sua mesa: vejo o garçom passando a flanela na mesa vazia. Morena maldita. Foi-se para lá se sabe onde, para nunca mais.
A pele morena. O sol equatorial. Silhueta fina. O som da onda a se quebrar.
E um olhar de domínio sobre qualquer um que se intrometa em seu campo. A fumaça branca impedindo a visão.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ser-me(-ia)

Quanto daquel'água
me resta ainda ao corpo?

Quanto daquelas vozes
ainda falo?

Quanto deles
ainda
sou?

Que sou?
Que falo?
E que turva água
é esta que me enxarca
com o que não sou?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O amor, o desamor e as duas maritacas tagarelas

Como é belo o amor (ao menos até a decepção que um termina sentindo por outrem)!
Essa história aconteceu bem no meio de uma ladeira: um casal que ia à frente, aos beijos e apertos, e, logo atrás, duas maritacas cantantes. E foram subindo e subindo o morro. Como eram lindos e feliz!
Ela sorria tanto! Já ele era mais contido, aproveitava o momento calmamente, confabulando um rala-e-rola para depois, acredito. Já as maritacas davam suas risadinhas de ave trepadeira. Notava-se, é certo, um ligeiro desconforto do rapaz perante as aves que os seguiam e ainda mais pelas gargalhadas e fuxicos. Por isso se aconselham não criar laços muito íntimos com esse tipo de ser.
Acontece que ele não era bem o dito "macho oficial" da moçoila - perdoem-me o tom machista. Ele era um rapazote qualquer, um desses cabeludos que andavam pela baixada nas noites secas. Era isso, mesmo. O digno macho estava... em sua rede (lendo, dormindo, ou qualquer outro gerúndio de se conjugar no ambiente doméstico).
Pois então que, no momento crucial desse conto da carochinha, passou voando um passarinho (o bem-te-vi seria a ave mais adequada para essa história, com seu papo amarelo e sua cara de malandro). O tal passarinho, acompanhado de sua amiga coreana, foi motivo da mudança de tom das maritacas - que começaram um escândalo maior, diga-se -; e que, por sua vez, fez o casal virar os rostos e, finalmente, fez enrubrecer o rosto da moça.
O bem-te-vi viu mas não ficou esperneando a sua velha ladainha. Preferiu mudar de discurso. Resolveu, em homenagem à amiga que o seguia, falar em coreano, língua simples, sim, mas que por estes trópicos se sente uma certa fadiga em compreendê-la.
Já o namorado-namorado-mesmo não estava vendo nada, coitado. Estava feliz e assim persistirá, até que o bem-te-vi fofoque este lero-lero besta. O namorado-namorado-mesmo acabou recebendo a mocinha, sorrindo com os dentes amarelados.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Romina III

Agora, sim, lembro-me daquele final de semana na casa de praia. Foi só botar o disco do Drexler que a maquinaria enferrujada de minha cabeça resolveu girar.
Vou até voltar uma canção. É uma daquelas que se ouve repetidas vezes, sempre e sempre. Romina é que costumava fazê-lo: toda vez que terminava a tal música, apertava o botão de retorno de faixa. E uma e duas e três e tantas e tantas, até chegar na casa de praia. Ela usando aqueles óculos estilo retrô - desses que estão na moda, e que por isso não o comprei para mim, de birra mesmo - e os cabelos a se rebelarem com o vento que invadia o carro pela janela escancarada.
Una canción me trajo hasta aquí. E foi mesmo. Não me recordo das outras músicas do disco. Aliás, do CD. Digo disco, mesmo, por mais que me encham o saco dizendo-me que tenho espírito de velho-nostálgico-colecionador-de-vinis. A palavra disco soa bem melhor que este C junto ao D: cedê...
Romina me faz falta nestas noites sem nuvens. Deve estar descansando de tanta aula dada naquele frio das planícies do sul distante. Disse que se mudou para perto de uma lagoa que fica num canto bem verde daquela cidade. E eu aqui a reclamar do tempo seco e de meus lábios ressecados, feridos. Una canción me trajo hasta aquí.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

luar/solar

Eis que quando cai a noite
desdigo o dia que não me clareou.
E que mesmo que ressurja
com o mesmo sol e o mesmo céu,
retornará a mesma noite
com a mesma lua e o mesmo breu,
para logo dar sequência ao segundo dia da semana
e depois a noite, a lua, o breu, o dia, o sol, o céu...

Para sempre,
até quando eu durar.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Ouvires

Uma vez o vi tocando sua flauta, sentado num galho de uma cortiça. Pedi-lhe uma história, uma história sua, que tenha vivido. Parou de tocar aquela melodia doce. Coçou sua cabeça protegida por uma dessas tocas feitas de lã de lhama e me disse que "essa é um tipo de história difícil, imprecisa, excessivamente incoerente..."
Desde então persisto como porta-voz da incoerência.

domingo, 25 de julho de 2010

Sonho

A verdade é que eu sempre quis contar as flores e as borboletas que havia nos cabelos dela. Aquele emaranhado de cachos inundados de um doce perfume de jasmins e margaridas.
Vasta cabeleira que ainda me facina. Quem me dera voltar a este sonho tranquilo que tive há pouco, em que a via correr por entre árvores e cipós de uma mata verde, amarela, vermelha, azul e de tantas cores ainda não catalogadas ou mesmo sonhadas por outrem. Mas havia tanto branco! O branco de um sorriso sincero, pueril.
E as flores lhe caíam dos cabelos, a toda hora, sempre e sempre, e não parava. Como poderiam existir tantas flores a cair? Sua cabeça era uma primavera infinita. Era isso. E quando virou-se e veio ter a mim, parou seus lábios próximos aos meus e falou... Não consegui ouvir ou mesmo entender. Foi então que abri os olhos e me pus aqui a relembrar.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Vagar

Lá vai o homem, seguindo a cambalear pela rua margeada por muitas portas. Trôpego, não percebe a vastidão de olhos que brilham a lhe enxergar. Ele não consegue andar em reta, vê-se; e seus olhos não piscam. Talvez, é verdade, a piscadela lhe faça tombar de uma vez, pois que será esse seu desfecho: beijar o chão imundo.
A cada passo, algo lhe cai: foram-se o chapéu, o bigode e as orelhas. Os cães, obsequisos, agradeceram-lhe os mimos. Mas ele luta e reluta, tentando coordenar as pernas rebeldes. Eis que tropeça. E levanta. Tropeça... Levantou-se com mais dificuldade dessa vez. Caiu. Meteu a cara no paralelepipedo da rua torta. Como que vencido, tenta mirar algum vencedor. Percebe um par de olhos a flutuar na escuridão de uma sacada. Surgem outros pares de olhos profundos. Ele não resiste, sequer tenciona, e cerra os olhos abraçando uma escuridão que não aquela que olhou e que lhe testemunhou. A escuridão que tranquiliza e que sempre amanhece.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Para além

privado de tantos bienes
y perdido en tierra ajena,
parece que se encadena
el tiempo y que no pasara,
como si el sol se parara
a contemplar tanta pena

El Martin Fierro - José Hernandez
E o sol persistia a não se mover. Talvez porque ele não queria. Queria, sim, pelo visto, queimar a nuca daquele pobre diabo em cima de um também infeliz cavalo que, preto, sofria ainda mais aquela ardência. Aquele cavalo mal imagina o que está por vir, se é que esses quadrúpedes podem conjeturar futuros, ainda que bem próximos; se é que conseguem, também, pensar o fato de ter um homem montado em seu lombo com desejo tão belicoso.
A guerra está além daquela colina. Está lá o que virá a ser um agora, mas que é depois, nesse momento. E o tempo...
O sol está realmente decidido a permanecer intacto. Não se pode esperar outra coisa, talvez nem mesmo a lua e as estrelas. O sol ouve os tantos cascos a marchar por essa planície sem fim, ainda que haja esse morrinho perdido, exilado. Com certeza essa bola incandescente torrará os corpos que se estirarão no outro lado do morro, mas antes os ânimos, os medos, as vontades e tudo que vier sentir ou pensar todas aquelas cabeças de homens, fadados ao calor, qualquer que seja.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Café

O que mais me atrai em Romina? Os olhos. Na verdade, seus olhos fechados enquanto sorri aquele sorriso branquinho com os dentes bem juntinhos.
Não sei como, mas sempre a encontro naquela cafeteria que desce Corrientes. Desta vez trouxe-me aquela velha edição de "Coração das Trevas", da tão antiga - e tão imensa - biblioteca de seu avô, velho gaúcho da llanura sem fim - do mesmo tamanho do sertão de meu avô, bem mais ao norte dali, o outro sem-fim. Infindo poderia ser também o seu sorriso.
"O horror! O horror!" é sempre o que proclamo quando conversamos sobre o livro que saiu de sua bolsa. Disse-me que abriu um bom debate sobre a obra em sua classe. E sorveu mais um pouco do café em sua xícara, levantando-a com as duas mãos, daquele jetinho dela.
Empolguei-me numa análise cheia de gestos e reticências sobre as trevas apresentadas no livro... Ela levantou as sombrancelhas como que impressionada - ou como que prendendo o riso - com aquela figura loquaz à sua frente. "Você podia ter ido à aula para entrar no debate. Teria sido bacana." E eu só prestei atenção no seu sotaque. Lindo, lindo. Mas que sotaque bonito é o dessa porteña.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Noite pequena

O pequeno rapaz-de-óculos descobriu a maior das descobertas: descobriu-se em suas pequenas profundezas com pretensões de infinito (pretensões). Descobriu a noite mais negra, mais que aquela que vem todos os dias, após o azul de sempre. Encontrou a noite pequenina dentro de si, bem pequenina, mesmo, porém mais escura que qualquer coisa ou noite escura, como antes dito.
E andando foi o pequeno rapaz, com seus óculos óculos de lentes grossas, a perambular pela sua noite particular - a noite era dele, ora! Andou. E andou em círculos. Foram várias voltas em pouco tempo de caminhada, pois suas reentrâncias noturnas eram tão pequenas quanto ele próprio - ou será que aquela noite, no final das contas, era ele próprio?
Foi então que ele sentou no próprio preto. Tentou pensar em qualquer coisa, hipótese, solução... Tinha o queixo apoiado na mão e um olhar triste, tritinho. Acabou pensando em chorar. E chorou. Chorou frio e chorou mudo. Chorou tanto que aquela sua noite choveu. E a chuva choveu, como era de se esperar. O rapaz ficou todo molhado, coitado. Saiu da sua noite para a noite de todos, a de sempre, a de depois do azul de sempre, aonde ninguem entendia aquela água toda, apenas ele.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Romina

Ah, Romina, por que foste embora? Por que me tiraste teu sorriso baixo, tímido, branco...? O que te fiz, Romina, o quê?
Olhaste-me com teus olhos negros e te puseste a chorar. Tu que sempre me sorrias. Magrinha, com um ar de intelectua discreta, sempre com os braços cruzados sobre a mesa de algum desses cafés de Corrientes; ou, quando em pé, como que te abraçando a ti mesma. Abraço insuficiente. Abraço pouco. Falta-te os meus braços em ti, Romina. Falta-me tu em mim!
Vejo-te, agora, sentada entre figuras cotidianas, enfastiadas, num banco de metrô. Teu queixo apoiado pela tua mão esquerda, e a tua cabeça querendo tombar ao ombro. E o olhar vazio, rente ao piso do vagão. Não vás, Romina! Desça na próxima estação e toma de volta o rumo a mim.
Tua lágrima desliza pela face. Estás corada. Teu nariz, vermelho. Quero-te luzente! Como desejo tocar-te a face, suave, sempre, deslizando minha mão, chegando aos teus cabelos num cafuné sem fim. Tudo em ti é contemplação. E agora fechas teus olhos em um delicado deleite. Como te expressas com perfeita mesura? Apenas tu. E sigo a acariciar-te.
Bateu-me a saudade, é isso. E quando ias à tua classe e eu te espiava pelo vidro da porta da sala em que lecionavas. Sequer reparavas em minha presença, nem imaginavas...
E eu sumia.

sábado, 24 de abril de 2010

4 garrafas de cerveja

Aconteceu durante um desses copos tragados, numa dessas noites vadias, boêmias, de uma famosa cidade barroca. O frio resolveu pertubá-los naquela taberna da rua direita. Ea incoerência começou pela cerveja gelada...
Ele tinha tanta coisa para lhe dizer. Bebeu bastante e disse, ou, quem sabe, não.
Subiu um pouco a rua e a levou à banda, que estava à toa na rua, ou na vida, como dira aquele cantor.
No final de tudo, a cama quente os esperava. Esperava mais a ela; espera aquela aqeuele silêncio caucasiano que gritou no inocorrido, estampado numa caveira branca que só ela saberá.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O vôo da Maritaca Devassa.

Nesta noite fria, resolvi voar rumo ao ninho das maritacas, as famosas maritacas devassas. Estavam lá debaixo das suas cobertas de penas, assistindo a uma dessas novelas bestas e comentando suas pequenas luxúrias cotidianas.
Cheguei calado e saí mudo, eu, pobre bem-te-vi do peito amarelado de fome. Deram-me pouco valor durante os poucos minutos em que esperei a maritaca devassa dissidente. Uma outra maritaca comentou seu sentimento repentino: "Aaaaaaaah! Um dia, ainda ei de encontrar um formoso papagaio que me mime num xamego sincero e que me ame muito." Depois, virou-se para as outras trepadeiras e enunciou uma cláusula: "Mas isso vai depender se eu o amarei de verdade também..." E, numa risada safada, voltou a ver a sua novela besta.
É uma peste esse lugar, esse ninho. Ademais, cheira a subaqueira de tucano e a bafo de papagaio bêbado. Bastante desagradável, eu diria. Diria mais: um porre!
Regressei às terras baixas junto àquela maritaca devassa dissidente, ou nem tão dissidente assim, já que o sangue nunca poderá negar essa qualidade. Bem que vi.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Umidade

Talvez seja isso, agora, a incerteza do ser.
Esquecer-me em mim
e de mim.
Já dizia Gramsci que, entre a morte do velho e o nascimento do novo,
há um singular momento chamado, por alguns, de "crise", em que...
Crise? Mas parece tão inédito tudo isso: sons novos, horizonte novo, montanhas e nuvens tão diversas e um saudosismo por insegurança.

Coisa de tarde chuvosa.
Chuva grossa e pesada que nos aprisiona num exílio seco e que nos inunda de e com qualquer coisa.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Prezado "escritor"

A mesma noite, a mesma garrafa de vinho, frente à mesma tela de computador, a fazer a mesma coisa de sempre. Será que existe poesia nessa dita pós-modernidade apoética? O que se quer dizer com isto? Alguém já disse isto? Ele realmente não sabe. Nem ao menos intenta pensar sobre essas frases vomitadas.
Já pensou ser um grande escritor? Ele já. Tanto o fez que vive bebendo café ou vinho e se imagina em paisagens literárias, coitado. Agora, você, leitor, deve estar pensando "mas que narrador filho de uma puta!", certo? Eu também penso o mesmo. Mas tudo é verdade. Ora, um sujeitinho qualquer, que bebe uma garrafa de vinho caro - o chamado belo rebento da classe média sonhadora, se é que alguem diz isso também, além deste narrador filho-de-uma-pobre-mulher-ultrajada, segundo o mesmo - e que fica de conversas banais no mesenger e que pretende virar escritor... ah, doce ilusão! De tão doce lhe fez cair os dentes (terrível isso, nunca escreva uma merda desta). Tamanha pretensão! Maldito século de perspectivas frustradas.
O pseudo-escritor-sonhador, e agora bêbado, não sabe mais o que rabiscar. Devo cutucá-lo. Provocá-lo. E o que faz com esse livro do Hemingway fechado? quer sê-lo? Não pode, meu querido. Escreva suas estorinhas nesse seu blog, e nada mais.
Neste século (de novo essa repetição, essa tragédia do tempo), qualquer um pode ser escritor. Cria-se um blog e se escreve poesia, conto, besteira e merda ao bel-prazer. Mas há quem se dê bem, dizem, você me disse.
O vinho acabou, escritor? Apenas até aqui consegue escrever? Muda a música e vai na geladeira encher o copo novamente, assassine o vinho nesse copo americano mais uma vez! E agora pense numa tragédia. Refaça a Grécia, por menos que a conheça. Esse é um ponto trágico, escritor. Você sempre soube que os grandes leram bem os gregos. E você? Você nem conseguiu ler todos os trabalhos de Hércules por inteiro.
E a musa, tem? Não. Pobre... Chega de troças, não quero ver lágrimas vertidas. Mas nem ao menos uma morena para se exaltar... Vá ver um filme e se encante por uma dessas frncesas de cabelo curto, bem negro. Escreva uma homenagem a ela, meu caro. Aliás, invente-a, assim como o faz para si próprio.
Quem nos dera uma pequena francesa agora, hã? Você nem em uma morena daqui consegue pensar. É decadente. Lamentável..
Cansei de você, escritor. Cansei de dizê-lo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Subte

Entrou no metrô e teve sorte de encontrar um espaço vago no banco vermelho. Mais que sorte, talvez um milagre. Nada mais desagradável que pegar o metrô às 18 horas - aliás, há coisa pior: fazê-lo todos os dias. Ao menos houve o milagre de hoje, terça-feira de calor infernal.
Ela sentou entre um senhor gordo e barbudo e uma velhinha de óculos redondos. Todos calados - e mais ainda ela. Estava cansada. Sentou-se, na verdade, com um olhar melancólico - ou indiferente, aqueles olhos não foram tão claros, ainda que bem verdes. E apoiava seu queixo na palma da mão com os dedos subindo à bochecha. Apenas seus olhos se moviam, o resto era estático. Aliás, seu corpo inflava ao respirar, mas era quase imperceptível, apenas um olhar insistente para percebê-lo.
De repente um sorriso. Fechou os olhos e passou a mão desde a testa até os cabelos, arrumando-os. Que boa lembrança teria sido aquela?
As possibilidades são infinitas.... Ela desceu em Angel Gallardo.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Diario porteño 05/10/10

Anoiteceu em minha solidão portenha. E essa noite só acontece às 20:30 por aqui. Melhor, então, pegar um táxi rumo a calle Lerma, 164, esquina com Levallaje.
O taxista segue pela avenida Córdoba, mas antes põe um cd azul no som do carro. Melhor trilha sonora impossível: Piazzola. Ele avança até a música que eu ansioso aguardava: Libertango. Senti-me como num filme. Os carros naquele trânsito caótico e o bandoneón de piazzola assoprndo um regresso melancólico. Faltou-me, apenas, que fosse esse um filme em preto e branco, un cigarrillo e uma solidão de fato, mas foi ótimo.
Amanhã continuo a exploração.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Diario porteño

Ah! Buenos Aires, querido! No sé como digitar el exclame "de cabeça para baixo"... pero mi pasion por la ciudad és mayor que cualquier cosa digital. Hoy conoci la bombonera. Debe ser terrible para un equipo visitante jugar allá. Después fui al el caminito. Lindo. Tango. Parrilla. Locos mozos hablando en portuñol porteño y hablando de mi corinthians y de botafogo, de mi hermano y mi padre.
Ahora un vino, malbec de mendonza. $11 pesos! R$5,00! É mole?