terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Errante

Ainda que me falte ar, persisto neste meu andar descalço. Empurro uma vida sem início, mas com um provável fim. Que fim é esse? Sempre me pergunto, e nunca me respondo. Em minha mente, nada encontro para findar esse desassossego.
Por quantas ruas já andei, quantas vidas eu mirei(?). De nada sei. Certeza, duas: as bolhas e o sangue em meus pés nus. Pisos as pedras que me espetam num intento de invadir-me o corpo, um corpo oco, em que no vazio podre de uma esperança patética gira a engrenagem que me faz continuar o caminhar.
Carros e pontes, homens e mulheres, risos e choros, vergonhas e luzes... tudo se vê no caminho sem rumo. Eis que numa esquina, no canto da rua, próximo a um monte de lixo e debaixo de um ipê-rosa, encontro mais um desses homens desonrados, desgraçados, desalinhados. Dorme num sono profundo de quem muito andou. Dorme sobre e sob lindas pétalas rosas daquela frondosa árvore. A beleza às vezes é conforto. A alma do pobre que sonha perfuma-se de um suave cheiro, que esconde o azedo que exala o próprio corpo estirado.
Meu pé retem uma pétala e a transfere ao outro. Logo sigo ao amontoado de flores e afundo os pés de couro grosso ferido. Sinto-me bem. Sossego. Esqueço a vida. Não a tenho, nem ela a mim. Permaneço junto ao desgraçado; ela segue em busca de algo em que possa se alojar. Torço que não nesta árvore que me protege e me cobre.
Pois então que duas pétalas me cobrem os olhos, seduzindo-me a um desligamento, ao sonho, ao fim da caminhada.

6 comentários:

Rayza Fontes disse...

sempre foste mesmo um rapaz desassossegado.Dizem que o ipê rosa está em vias de ser extinto...será eternizado em seu texto...as palavras tornam as coisas imortais

Cecília disse...

eu também costumava romantizar a miséria.. mas 'isso' se perdeu.

Júlia Marim Mitre disse...

"caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, num sol de quase dezembro, eu vou...."

Tenorius disse...

acho que nunca romantizei nada, espero...

Rayza Fontes disse...

pfff.como não! és o último dos românticos ,negrito...

Tenorius disse...

calúnia