terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sertão:


Ele sempre tragava três doses de aguardente na bodega de Seu Antônio Firmino, antes de seguir caminho pela caatinga fechada desse sertão hostil. Cachaça branca que desce corroendo suas entranhas, deixando-o aceso e exaurindo-o de qualquer intenção de escrúpulo ou piedade.
Portava uma dessas espingardas de caça, um facão na cinta e olhos de carcará velho que vê do firmamento o mais esguio preá no capoeirão. Nessa noite pagou o que devia à bodega e levou, como de crédito, um maço de cigarro "de hollywood".
Seu destino era Cruz das Almas, povoado da margem esquerda do Poxim. O caminho era alumiado. A lua cheia prateava a caatinga e revelava a raposa em sua paciente tocaia. Atravessou o riacho seco, chegando, enfim, no forró do povoado.
Esperou qual a raposa o apagar dos candeeiros. E quando a cancela do curral sonoro se abriu e se viu o alvo dançando, apontou a mira da velha espingarda na testa do cabra infeliz.
Num estrondo, o sertão condenado expirou mirando aquela lua argêntua em meio à escuridão incompreensível do não-saber. Da prata ao negro. Do barulho silencioso do fim. Das luzes ao sertão infindo.
Traga-se mais aguardente.

2 comentários:

Cecília disse...

adoro quando vc escreve assim

Unknown disse...

nossa!!

q linguagem autentica!!

adorei, o dom de saber se expressar
por meio das palavras
é um privilégio de poucos...

vc faz parte dessa minoria!!