quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A invenção de J. - I

Estava ali, sentada, erguendo a taça de vinho tantas vezes fossem possíveis, até secar as garrafas que poderia pagar. E olhava, indiferente, o vocalista que entoava suas canções, às quais se distinguia alguma pretensão fajuta de vanguarda - mania dessas bandas de agora, como bem proclama o Carlos.
Desde que a percebi não consegui deixar de fitá-la. Pele morena, um pouco mais escura que a minha - morena jambo? deve ser isso. Seu olhar absorto era o que mais me deixava instigado. Provavelmente algum sentimento de macho conquistador, de um Casanova tropical,incitava-me a querê-la, por essa noite, em algum quarto - o dela seria o mais ideal, já que a grana seguia curta.
Uma fotografia dela economizaria o tempo que teria para descrevê-la mais, apesar de que relatando aqui as minhas impressões você, meu camarada, poderia imaginá-la como uma criação minha. Confesso que ando fissurado por aquela figura morena de cabelos negros e lisos a cair sobre a face esquerda. Tem que vê-la como a vi!
A boca dela há muito já se avermelhara. Passou a demorar os lábios na taça. Com certeza já havia percebido a insistência que meus olhos mantinham em não deixar as pálpebras descerem - está bem, exagerei. Chegou mesmo a levantar a sombrancelha, como que a perguntar... por que que eu estava me demorando tanto naquela cadeira junto a uma horda de bárbaros falastrões?
Ela agora estava acompanhada de uma terceira garrafinha de vinho barato, com os lábios avermelhados, com os cabelos caídos ao rosto e a mão, mole, segurando a taça, olhando para mim.
O som acaba e a platéia começa a aplaudir aqueles pseudo-venguardistas - o que diria Itamar? A gora a minha banda vai subir ao palco. Lá em cima, percorro o olhar até a sua mesa: vejo o garçom passando a flanela na mesa vazia. Morena maldita. Foi-se para lá se sabe onde, para nunca mais.

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