domingo, 28 de dezembro de 2008

Há muito que não via o acender e piscar de vaga-lumes. Acabou de faltar energia neste lado da cidade. Vejo apenas as luzes dos postes e dos carros no outro lado do rio. Aliás, não apenas daí, há os vaga-lumes, no terreno baldio em frente à minha varanda.
Lembro-me que, quando guri, esses insetos me amendrontavam um pouquinho. Não entendia o porquê, e persisto sem entendê-lo. Mas, hoje, quandoos vi, sorri um sorriso ingênuo, daqueles do meu tempo de guri.
Esses vaga-lumes reapareceram junto à minha infância. Melhor aproveitá-los.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Não sei se eram seus olhos por trás daqueles óculos quadrados de haste preta, ou talvez aquele sorrisinho tímido, cheio de dentes branquinhos, mas algo nela fazia me sentir bem.
Foi a segunda vez que a levei ao Le Vesoul, uma cafeteria à francesa cravada numa ruela estreita e centenária de Vila Rica. Estávamos sentados bem no encotro de duas paredes. Em uma delas, pendia um quadro com uma foto em preto e branco de um casal, com a torre Eiffel ao fundo. Ela começou a me contar sobre a vontade que tinha de ir à França: "Paris, Toulouse, Marselha, Nantes..." e sorria. Confesso que prestava mais atenção nas covinhas que assomavam em suas bochechas.
Quando o garçom apareceu com os capuccinos, calado, esperei vê-la erguer a xícara com as duas mãos brancas e, num susto, queimar a ponta da língua. Agora, eu que abria o sorriso. E ouvia seus bravejos, com aquela careta que só ela fazia. Uma careta bonita. Impossível não ser, por mais que tentasse.
Bom mesmo foi quando saímos da cafeteria: era inverno, e o frio da serra chega a doer. Quando a vi bater os dentes, abracei-a e segui o caminho de casa com o rosto colado ao dela. Fui aquecido pelo seu sorriso. Puro deleite. E o vinho a nos esperar.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Errante

Ainda que me falte ar, persisto neste meu andar descalço. Empurro uma vida sem início, mas com um provável fim. Que fim é esse? Sempre me pergunto, e nunca me respondo. Em minha mente, nada encontro para findar esse desassossego.
Por quantas ruas já andei, quantas vidas eu mirei(?). De nada sei. Certeza, duas: as bolhas e o sangue em meus pés nus. Pisos as pedras que me espetam num intento de invadir-me o corpo, um corpo oco, em que no vazio podre de uma esperança patética gira a engrenagem que me faz continuar o caminhar.
Carros e pontes, homens e mulheres, risos e choros, vergonhas e luzes... tudo se vê no caminho sem rumo. Eis que numa esquina, no canto da rua, próximo a um monte de lixo e debaixo de um ipê-rosa, encontro mais um desses homens desonrados, desgraçados, desalinhados. Dorme num sono profundo de quem muito andou. Dorme sobre e sob lindas pétalas rosas daquela frondosa árvore. A beleza às vezes é conforto. A alma do pobre que sonha perfuma-se de um suave cheiro, que esconde o azedo que exala o próprio corpo estirado.
Meu pé retem uma pétala e a transfere ao outro. Logo sigo ao amontoado de flores e afundo os pés de couro grosso ferido. Sinto-me bem. Sossego. Esqueço a vida. Não a tenho, nem ela a mim. Permaneço junto ao desgraçado; ela segue em busca de algo em que possa se alojar. Torço que não nesta árvore que me protege e me cobre.
Pois então que duas pétalas me cobrem os olhos, seduzindo-me a um desligamento, ao sonho, ao fim da caminhada.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Evocado

Há dias que a raiz grita pela volta do corpo disperso.
São dias que o coração pulsa desesperado,
numa força avassaladora,
qual atabaque em casa de terreiro
evocando o orixá do dia.
E quando o corpo ouve o clamor de sua raiz,
é que o desassossego reina numa vontade cega de cravar os pés no chão em que nasceu.