terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sertão:


Ele sempre tragava três doses de aguardente na bodega de Seu Antônio Firmino, antes de seguir caminho pela caatinga fechada desse sertão hostil. Cachaça branca que desce corroendo suas entranhas, deixando-o aceso e exaurindo-o de qualquer intenção de escrúpulo ou piedade.
Portava uma dessas espingardas de caça, um facão na cinta e olhos de carcará velho que vê do firmamento o mais esguio preá no capoeirão. Nessa noite pagou o que devia à bodega e levou, como de crédito, um maço de cigarro "de hollywood".
Seu destino era Cruz das Almas, povoado da margem esquerda do Poxim. O caminho era alumiado. A lua cheia prateava a caatinga e revelava a raposa em sua paciente tocaia. Atravessou o riacho seco, chegando, enfim, no forró do povoado.
Esperou qual a raposa o apagar dos candeeiros. E quando a cancela do curral sonoro se abriu e se viu o alvo dançando, apontou a mira da velha espingarda na testa do cabra infeliz.
Num estrondo, o sertão condenado expirou mirando aquela lua argêntua em meio à escuridão incompreensível do não-saber. Da prata ao negro. Do barulho silencioso do fim. Das luzes ao sertão infindo.
Traga-se mais aguardente.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Hum...


"Vou pra rua e bebo a tempestade."

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Mais uma de Eduardo Galeano

"Conta a história oficial que Vasco Núñez de Balboa foi o primeiro homem que viu, desde um cume do Panamá, os dois oceanos. Os que ali viviam, eram cegos?

Quem colocou seus primeiros nomes no milho e na batata e no tomate e no chocolate e nas montanhas e nos rios da América? Hernán Cortés, Francisco Pizarro? Os que ali viviam, eram mudos?

Os peregrinos do Mayflower escutaram: Deus dizia que a América era a Terra Prometida. Os que ali viviam, eram surdos?

Depois, os netos daqueles peregrinos do norte apoderaram-se do nome e de todo o resto. Agora, americanos são eles. Os que vivemos nas outras Américas, o que somos?"

sábado, 11 de outubro de 2008

Minha rua

Sigo a rua mal iluminada por poucas lamparinas. Busco meu exílio nesse torto caminhar junto à minha sombra. Sumiram a lua, as estrelas, as vozes poluídas e o desespero. A escuridão me consola, acalma-me, diverte-me, aconchega-me e me seduz.
Por fim, chego à solidão, à boa solidão. Fico só com a minha sombra, a perfeita companhia que me traz uma garrafa de vinho: "Eia! Bebamos!"

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A fresta sombria

Espia-se a morte qual uma criança curiosa.
A morte, entrertida em seu xadrez, nem repara o olhar
pulsante da criança na fresta da porta...
O guri quer e não quer encontrar seus olhos nos da morte.
É curioso. É medroso.
De repente, o peão cai, abaixa a morte, o coração acelera, a morte cai, ouve-se risos, olhos se encontram e o menino corre.
Tropeço.